segunda-feira, 15 de junho de 2009

Marias


Marco Hruschka



Seu nome é Maria. Mas poderia ser Joana, Cidinha, Daiana ou Raimunda. É interessante quando Saramago diz que conhecemos o nome que nos deram e não o que deveras temos. Você sabe o teu nome, caro leitor?
Maria é uma moça bonita, jovem, atraente, independente. Cuida de seu corpo, pois precisa dele para se realizar. Tem estatura mediana, é morena, mas gosta de usar máscaras. As pessoas a desejam, querem tocá-la, talvez nada mais. Mas ela sabe disso.
Hoje é sábado, por isso sairá. Irá a um baile, haverá "show" de rodeio, música sertaneja, não a de raiz, que defende a tradição do sertão e a cultura do povo mais simples, porém não menos inteligente. Trata-se de um novo estilo, chamado sertanejo universitário. Ver-se-á fumaça de cigarro, latas de cerveja no chão atrapalhando o movimento rústico daqueles seres, chamam de dança. Todo mundo sorrindo sem motivos concretos e outros animais sendo maltratados, a diferença básica está no chapéu, que os de cima usam. Ontem ela foi ao salão de beleza. Pintou os cabelos, fez alisamento, pois se sente mais segura assim, também fez depilação pubiana, pois tem a pretensão de transar nesse fim de semana e, claro está, precisa encantar o parceiro que ainda conhecerá.
Maria passou a semana toda pensando em como se vestiria no dia do baile, qual perfume usaria, em qual carro desfilaria pela cidade antes e depois da festa. Ela gosta das pick-ups, são grandes e espaçosas, faz com que ela se sinta mais importante, mais bem vista. Entretanto, basta-lhe uma saveiro semi-nova, o que ela quer é uma companhia motorizada.
Para chegar ao local do sacrilégio, ela convida como choffeur um amigo apaixonado, é óbvio que ele aceita. O iludido abre-lhe a porta do automóvel para que ela entre, entrega-lhe flores, ela finge que se emociona, elogia a roupa cafona do coitado e vão ouvindo acordes alienantes durante o trajeto. Quando chegam, as notas são as mesmas. O que muda é a companhia, pois ela o abandona na primeira oportunidade. Depois, alegará que se perdeu quando foi ao banheiro. Realmente se perdeu, mas foi nos braços de um bonitão de esporas.
Todavia, esse cowboy não serve para ela, pois não lhe daria o valor que ela julga merecer. Nisso o ser humano é como Deus, quer o veredicto . A nossa estrela vai para a pista e se movimenta freneticamente. De onde estamos, vê-se em uma mão um cigarro aceso, em outra, uma lata de cerveja emprestada de alguém. Sua cabeça está em outro mundo, é como uma fuga da realidade. Mas o que Maria não sabe e talvez nunca venha a saber é que foge exatamente para a verdade deplorável de sua existência.
Há um bobo da corte que comanda o festejo, ele faz graças na intenção de animar o pessoal. Mas nesse reino, devido à algazarra, ele utiliza um microfone para se comunicar com o resto, que aplaude, assobia, grita e sorri das rimas mal feitas pela figura emblemática.
Maria ainda não sabe, mas vomitará daqui a alguns instantes. O álcool já faz o devido efeito e seu estômago começa a maltratá-la. Ela disfarça, vai ao banheiro e faz o serviço. Lava-se. Aguarda alguns instantes até se recuperar um pouco. Dentro do possível, retoca o batom e volta para a multidão a mesma lady que chegara acompanhada do amigo apaixonado. Este, por sinal, encontra-se sentado num canto a olhar vagamente as coisas, desolado, bebendo sem perceber. A vida é assim, muitas vezes agimos sem dar-se conta.
A madrugada vai alta. A moça de quem falamos dançou até surgirem bolhas nos pés, bebeu a cerveja de vários colegas de noite e fumou até enjoar, pois não o faz no dia-a-dia. Já chega a hora de encontrar um bom acompanhante, aquele que vai lhe dar o derradeiro prazer e lhe dar uma carona confortável de volta. Já sabemos que esse homem não é nem o amigo apaixonado e nem o bonitão de esporas.
Ela não precisa nem procurar, os homens vêm até ela. No fim de festa costuma-se apostar todas as fichas. Nesse instante, o primeiro cidadão mais ou menos apresentável que demonstrar boas intenções usufruirá dos carinhos de Maria.
Ela olha para João, que lhe observa há alguns instantes. Ela sorri, ele se aproxima. Conversam qualquer coisa de banal e caminham em direção ao carro do indivíduo. A moça percebe que é um veículo interessante, já o fita com outros olhos, está feliz. Dançou, fumou, bebeu, divertiu-se e não gastou praticamente nada nessa noite. Quando chegar em casa esquecerá de agradecer a Deus por sua saúde, mas dormirá com o sorriso no rosto.
João é um bom rapaz. Não gosta de literatura, nem de cinema, nem de artes plásticas. Não costuma ler e nem se mantém atualizado com o mundo. Nunca ouviu falar de Vinícius de Moraes, não saberia relacionar Da Vinci a Monalisa, e acha que Freddie Mercury é só mais um cantor boiola dos anos oitenta. E ainda haverá quem diga que o narrador dessa história é que se muniu de sua pena mais preconceituosa, quando em verdade apenas delineia uma narrativa literária, e por isso mesmo artística, referente à realidade circunstante. Voltemos a João. Adora música sertaneja, a nova vertente, claro está. Veste-se com chapéu, botas e cinturão. Bebe cerveja em abundância. Sorri com facilidade. Tem bom coração. Tem um carro.
Nos arredores do circo, parece-nos zona rural, devido às vestimentas das pessoas que ali estão e pelo aspecto rústico da acústica. Porém, estamos na cidade. O casal sai ouvindo no cd player os mesmos arpejos que costumam ouvir durante a semana, iguais aos que vieram ouvindo e que ouviram durante o tempo que ali estiveram, gostam mesmo desse tipo de som.
João é um cara simples, gostou de Maria. Ele pretende levá-la embora sonhando em ganhar um beijo como recompensa e, quem sabe, sair com ela de novo.
A moça quer mais. Ela deseja saciar seus anseios de mulher. Quer sentir o prazer que lhe é de direito. Então, insinua-se para o rapaz, que fica meio constrangido, mas gosta, pois tem instintos. Ela diz, Bem que poderíamos ficar num lugar mais confortável, só eu e você, o que acha. Ele apenas sorriu e se endereçou ao motel mais próximo com o coração acelerado. Transaram. Magia para um, cotidiano para a outra. Ela dominou os gestos, a palavra, pois João é tímido. A única atitude deveras ativa do rapaz foi pagar a conta, como manda a cartilha do bom cavalheiro.
Foram embora. Ele a deixou em casa, com cara de bobo, pois não esperava tanto de sua amada. Conseguiu seu telefone, por isso irradia felicidade.
Agora, a donzela dorme relaxada em si mesma. A noite foi como programara. Sonhará com animais pulando e vozes dispersas, mas não se lembrará disso no dia seguinte, assim como também não se lembrará de João.

Conto publicado pela Câmara Brasileira de Jovens Escritores no livro "Novos Talentos do Conto Brasileiro", em julho de 2009.

7 comentários:

Fábio Pierini disse...

Salve, Marco,

Gostei do conto. Não li tudo o que você já escreveu, só o que tem no blog (o que não é pouco), mas meu negócio é mesmo narrativa.

Acho que nosso contato bagunçou um pouco seu jeito de escrever e eu espero sinceramente que o conto que te dediquei tenha sido mais o despertar de um Marco que já estava aí e não o desvio de um Marco que já estava no caminho certo.

Sinceramente, acho que você escreve melhor do que eu quando tinha a sua idade - não que eu seja muito mais velho do que você, mas eu já era um desiludido desde cedo e contos como o "eu e elas" tem mais a ver com o que eu sempre escrevi do que com o que eu vi você escrever.

Vamos ver como será daqui para frente. Vamos encerrar o ciclo dos agroboys e das cowgirls e partir para coisas mais complicadas (e que por isso merecem mais atenção da literatura) que envolvem os relacionamentos amorosos e o materialismo do nosso presente.

Abraço.

Luciana Brites disse...

Um explicito preconceito pode te aproximar das coisas que vc critica.
Sabemos que existe muito em uma noite/vida de "maria".
Seu conto nao soa toda sua senbilidade...

Luigi Ricciardi disse...

O texto é realmente diferente do que eu já vi o autor escrever. Eu acompanho desde a gênese de Hruschka como escritor, e já estive em sua companhia no momento de várias produções. Nesse conto o estilo mudou um pouco, mas quem disse que temos que ser sempre iguais não é mesmo? E tudo depende do texto e da finalidade. Nesse texto, realmente, o lirismo não cabia da maneira que é usada nos outros textos. Nesse texto ele teve que ser mais direto para retratar o comportamento feminino atual (diga-se de passagem que não se fala, É CLARO, de todas as mulheres do mundo, assim como quando as mulheres falam que TODOS os homens não prestam).
Visto isso, acredito que o autor não quis ser sensível pelo simples fato de que para esse conto a ironia seria necessária para uns bons "tapas na cara" das pessoas que se encaixam nesse estereótipo ridículo que se vê hoje em dia.
Por isso, sabendo que o tema é atual, acho de grande valia que o autor retrate seu período histórico, o momento em que ele vive, na região onde habita. Agroboys e Cowgirls infestam essa cidade, e não conheço, pelo menos por enquanto, alguém que se dedique a fazer o mesmo, exceptuano Fabio Pierini, eu mesmo e Fabio Fernandes, além do dono deste blog, é claro!
Logo, vejo que escrever um conto como esse não é perder em qualidade nem acredito que o autor possa se aproximar do que ele critica.
Apoio o tema e o conto! E digo mais: Parabéns, Marco, por escrever e postar esse conto que, pelo que já vi, vai dar muita polêmica assim como outros dentro desse mesmo tema que "nossa corrente literária" escreve ou está por escrever!

Unknown disse...

Realmente! Esse não parece ser um texto da mesma pessoa que conheci há um tempo... Mas, na verdade, não foi surpresa para mim, que este, seja tão bom quanto todos os outros que esse autor possui.
Alguém que possui o talento de expor com palavras todo e quaisquer sentimentos, toda e quaisquer situação, pode muito bem mudar de estilo quando achar que é necessário e ainda sim, continuar escrevendo perfeitamente bem...
Parabéns Marco!
Sinto em você um amadurecimento de idéias... Uma forma menos idealizada de encarar o mundo e as pessoas...
Sinto também uma grande influência de Saramago na exposição da narrativa e dos diálogos...

Continue assim,
Parabéns novamnete!

Camila Peliçon disse...

A polêmica do tema sempre vai existir, pois as pessoas se influênciam pela moda e não pela qualidade de músicas, roupas, estilos de vida e etc...
Concordo com a banalização das mulheres em geral(não todas),mas a maioria.
Quanto ao seu estilo literário,é isso aí, escrever de tudo te torna um ótimo escritor, porque a nossa vida não é composta apenas por belos poemas, temos que sempre nos lembrar das amarguras que nos faz crescer como pessoas...
Te admiro muito...
E como sempre, Parabéns!!!

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Maria Izabel Peliçon disse...

Oi, muito prazer em conhecer o seu outro estilo de escrever!
Não temos que ter apenas um estilo literário, e sim somar conceitos e por que não preconceitos por modismos vazios?Dessa forma descrevemos o nosso tempo e todas as influências que nos modificam pelo meio em que estamos inseridos.Longe de ser apenas uma crítica aos agroboys e agrogirls, seu texto é exatamente o retrato de um modismo que não conhece a verdadeira raíz da cultura sertaneja do Brasil.
Parabéns por ousar ser verdadeiro na defesa da verdadeira cultura!!

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Maringá, Paraná, Brazil
Marco Hruschka é natural de Ivaiporã-PR, nascido em 26 de agosto de 1986. Morou toda a sua vida no norte do Paraná: passou a infância em Londrina e desde os 13 anos mora em Maringá. Sempre se interessou em escrever redações na época de colégio, mas descobriu que poderia ser escritor apenas com 21 anos. Influenciado por professores na faculdade – cursou Letras na Universidade Estadual de Maringá – começou escrevendo sonetos decassílabos heroicos, depois versos livres, contos, pensamentos e atualmente dedica-se a um novo projeto: contos eróticos. Seu primeiro poema publicado em livro (Antologia de poetas brasileiros contemporâneos – vol. 49) foi em 2008 e se chama “Carma”. De lá para cá já, entre poemas e contos, já publicou mais de 50, não apenas pela CBJE, mas também em outras antologias. Em 2010 publicou seu primeiro livro solo: “Tentação” (poemas – Editora Scortecci). Em 2014, publicou “No que você está pensando?” (Multifoco Editora), livro de pensamentos e reflexões escrito primordialmente no facebook. É professor de língua francesa e pesquisador literário.

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